quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

DEUS NÃO FALA EM "OFF".



Certo dia, entusiasmado com minhas observações sobre “saber ouvir”, decidi fazer uma experiência com meus alunos do curso teológico. No transcurso de uma interessante aula, interrompi abruptamente minha preleção e disse: “Por hoje, é o bastante!” Imediatamente depois, fiz duas perguntas: – No que é que vocês estavam pensando quando interrompi a aula? – O que é que eu estava falando? Não sendo possível detalhar o resultado da minha decepcionante pesquisa, contento-me em apenas informar aos leitores minha infeliz pasmaceira: apenas 28% dos meus alunos, de fato, me ouviam. Os outros, como diriam meus filhos: “estavam em off”; completamente desligados.
Um dos maiores problemas de comunicação, tanto a de massa como a interpessoal, é o de como o receptor, ouve o que o emissor fala. Raríssimas são as pessoas que procuram ouvir exatamente o que a outra está dizendo.
Ouvir depende de concentração. Ouvir é perceber através do sentido da audição. Escutar significa dirigir a atenção para ouvir.
Enquanto uma pessoa normal fala, em média 120 a 150 palavras por minuto, nosso pensamento funciona três ou quatro vezes mais depressa. Conseqüentemente surge um mal hábito na audição: muitas pessoas estão de tal forma ansiosas em provar sua rapidez de apreensão, que antecipam os pensamentos, antes de ouvi-los dos lábios do interlocutor. Isso ocorre quando ouvimos a famigerada exclamação: – já sei o que você vai dizer!
Ouvir, portanto, é muito raro. É necessário limpar a mente de todos os ruídos e interferências do próprio pensamento durante a fala alheia. Ouvir implica uma entrega ao outro. Daí a dificuldade de as pessoas inteligentes efetivamente ouvirem. A sua inteligência em funcionamento, o seu hábito de pensar, avaliar, julgar e analisar tudo interferem como um ruído na plena recepção daquilo que o outro está falando.
Às vezes imaginamos ter tanta coisa “interessante” para dizer, nossas idéias são tão originais e atrativas, que é um castigo ouvir. Queremos falar. Falando aparecemos. Ouvindo nos omitimos. Só ouvir, acreditamos, dá aos outros uma impressão desfavorável da nossa inteligência, por isso falamos, mesmo não tendo nada para dizer. Porém não é esse o conselho bíblico. É melhor ouvir que falar. “...mas todo homem seja pronto para ouvir, tardio para falar...” Tg 1.19.
É através dos sentidos físicos que a alma humana comunica-se com o mundo exterior. No ato de ouvir percebemos e identificamos os sons pelo sentido da audição. Ouvindo atentamente interpretamos e assimilamos o sentido do que percebemos.
Não é de hoje a dificuldade que as pessoas têm de ouvir atentamente o que os outros falam. O próprio Senhor Jesus discorreu sobre o tema quando explicava a seus discípulos a razão de falar-lhes por parábolas. Naquela ocasião o Mestre usou a seguinte expressão: “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça...” Mt 13.9. Segundo Champlim essa expressão, inclusive usada por Jesus outras vezes, – sob diferentes circunstâncias (Mt 11.15; Mc 4.9,23; Ap 2.7,11,17,29; e 3.6,13,22), era um ditado comum entre os judeus, empregado especialmente pelos rabinos.
“O adágio era usado para chamar a atenção para a importância do ensino apresentado, o sentido oculto do ensino e a total compreensão do que fica subentendido no ensino. Jesus queria dizer que os seus ensinos deveriam ser ouvidos com atenção e diligência, e que por ausência disso, muitos não poderiam compreendê-lo”.
Naturalmente que os ouvidos foram feitos para ouvir. Jesus usou o pleonasmo para realçar seus verdadeiros propósitos. Não era suficiente apenas ouvir no sentido de identificar os sons das palavras, era necessário interpretar o sentido delas para pratica-las. Significa: ter ouvidos com capacidade para ouvir e entender os mistérios de Deus. Jesus estava dizendo que, falando por parábolas nem todos teriam capacidade de ouvir e compreender o pleno sentido de suas palavras. “Ouvindo, não ouvem, nem compreendem” (Mt 13.13). Ouviram com os seus ouvidos os seus ensinamentos, mas permaneceram surdos para as suas implicações. Isto porque a eficiência do aprendizado através da audição depende da predisposição da pessoa, ou seja, a atitude mental de quem ouve é imprescindível.
Deus outorgou ao homem meios para conhecer a personalidade divina, mas o uso desses meios não é obrigatório. Os indivíduos, por sua própria vontade, podem “fechar” seus ouvidos.
Infelizmente em nossas igrejas muitos ouvem a pregação da Palavra de Deus apenas para cumprir um protocolo eclesiástico. Conforme o dito popular, as palavras “entram por um ouvido e saem por outro” sem sequer serem compreendidas racionalmente. Que dirá refletidas e interiorizadas pela alma e espírito.
Caro leitor. Saiba de uma coisa: Deus quer faze-lo conhecedor de seus inimagináveis segredos. Disponibilize os ouvidos à voz de teu sublimado Senhor. Não basta falar com Deus, é necessário ouvi-lo.

O sentido da parábola do semeador
Ao ouvirem a parábola do semeador contada pelo Mestre, os discípulos não hesitaram em questioná-lo. Queriam entender o porquê Jesus ensinava ao povo por parábolas. Recordando a profecia de Isaías concernente ao endurecimento do coração do povo: exteriorizado na verdade pela “proposital incapacidade” de aplicar plenamente os sentidos aos desígnios de Deus.
Jesus deixou claro que não se trata de omitir ou obscurecer a mensagem simplesmente para dificultar a compreensão, e sim, promover interesse genuíno, estimulando a plena concentração do ser total no conhecimento do Reino de Deus.
Analisemos agora o sentido da parábola do semeador pelo prisma da percepção auditiva:
A semente ao pé do caminho representa aquele que ouve a Palavra de Deus mas não entende. Não entende porque está indiferente à mensagem. Trata-se do ouvinte desinteressado. A indiferença é incompatível com qualquer forma de aprendizado; é incompatível com a audição. Ouvir é um ato voluntário e consciente. Você ouve porque quer ouvir, e não ouve porque não quer ouvir. Desse modo podemos dizer: o pior surdo é o que não quer ouvir. Se alguém decidir não ouvir, quem irá persuadi-lo do contrário?
A semente que foi semeada entre os pedregais representa aquele que ouve, compreende, recebe com alegria, mas não permanece em Deus porque ouve com impaciência. É preciso gastar tempo para ouvir. Às vezes a pessoa ouve a Palavra com impaciência: por estar pensando num outro compromisso, por não estar de acordo com quem está falando, ou simplesmente por estar cansada e desejar estar em outro lugar. Inicialmente a impressão é que ela compreendeu tudo; ouviu atentamente a mensagem, porém, mais tarde verifica-se que a semente que germinou não estava aprofundada na terra. Estando na superfície, o sol queima o fruto da empolgação e do emocionalismo.
A semente semeada entre espinhos representa aquele que ouve a Palavra mas os cuidados deste mundo e a sedução das riquezas o sufoca e fica infrutífero. O cuidado deste mundo e a sedução das riquezas pode aqui referir-se conotativamente ao materialismo, ao antropocentrismo, à racionalização de tudo, ou seja: ouvir com atitude egoísta, como dono do mundo, da situação e do conhecimento. Não conseguimos ouvir o discurso dos outros porque não somos nós os oradores. Interessados em nós mesmos, achamos os outros insignificantes, consequentemente sem mensagem.
Quando conseguimos deixar de lado o egoísmo com o objetivo de ouvir, descobrimos que as pessoas na realidade são brilhantes, criativas, ideativas ou no mínimo têm “algo para nos acrescentar” ou compartilhar. Por último, quando a semente cai em boa terra, ou seja, num coração e ouvido receptivo à compreensão da palavra, insurge uma colossal árvore, frondosa e frutífera.
Como já percebemos, a importância do saber ouvir não está limitada ao contexto das relações humanas, ou mesmo na compreensão dos mistérios do Eterno. O Senhor precisa falar-nos “face a face”; deseja comunicar-se conosco em linha direta, sem reservas ou restrições protocolares. Ele fala em nosso íntimo, imprimindo-nos sua palavra de modo tão maravilhoso que, se inclinarmos legitimamente nossos ouvidos, ouviremos não somente a sua voz, mas, as batidas do seu coração junto ao nosso. Você está sensível à voz do Senhor? Está conectado à Fonte geradora da graça?
Em 1 Samuel 3 1-10 lemos um episódio emocionante que nos mostra quão relevante é inclinar os ouvidos à voz do Todo-Poderoso. Deus chamou a Samuel por três vezes, porém, o jovem se reportara a Eli imaginando ter sido chamado pelo senil sacerdote.
O texto diz que “Samuel ainda não conhecia ao Senhor”, ou seja, não estava acostumado a ouvir a sua voz. Eli ao perceber que Deus queria manifestar-se particularmente ao moço, instruiu-lhe quanto a resposta ao chamamento divino. O futuro consolidador da nação hebraica deveria evidenciar plena disponibilidade e reverência à fala do Deus de Israel: “...Fala Senhor porque o teu servo ouve”. Será que ele não tinha ouvido o Senhor chamar-lhe nas outras vezes? Claro que sim! Porém, era imperioso não apenas ouvir, mas reconhecer a voz do Senhor, ou seja: ouvir tão acuradamente ao ponto de perceber que aquela voz não assemelhava-se a nenhuma fonação humana. Deus sempre está pronto para falar conosco, mas nós, nem sempre estamos em condições de ouvi-lo ou nos aplicarmos a ouvir a sua voz.
Quando em oração adorares a Deus, silencia tua alma para ouvires seus conselhos, consolo e repreensões. Não te preocupes com o tempo. Não te apresses em sair de Sua presença. Contempla-o na beleza de Sua majestade, e permite que a voz do Altíssimo permeie e ecoe em teu ser.


Pr. Marcos Tuler